O ódio que você semeia ou permite ..

The Hate U Give Little Infants Fucks Everybody – Tupac Shakur

Antes de mais nada, esse não é um livro fofo. Não é fácil de se ler ou de ingerir.
O ódio que você semeia é uma história real, que acontece quase todos os dias, que mostra todo o preconceito e racismo que nos rodeiam e serve de base na nossa sociedade. Não é mimimi, racismo existe e está matando milhares de vidas negras.

É uma história tão delicada, mas o filme que estreou nos cinemas ano passado não teve praticamente nenhuma ação de marketing e não foi nem 10% comentado nas redes sociais.

Então, pega uma água e tenta engolir essa história ‘amarga’ mas necessária.

Se você não conhece Tupac, então deve estar meio confuso sobre THUG LIFE, mas esse é um trecho de umas das maiores músicas do rapper, que em maior parte das suas canções falava sobre racismo e os problemas da sociedade.

Descrição: 1º lugar na lista do New York Times. Uma história juvenil repleta de choques de realidade. Um livro contra o racismo em tempos tão cruéis e extremos, Starr aprendeu com os pais, ainda muito nova, como uma pessoa negra deve se comportar na frente de um policial. Não faça movimentos bruscos. Deixe sempre as mãos à mostra. Só fale quando te perguntarem algo. Seja obediente. Quando ela e seu amigo, Khalil, são parados por uma viatura, tudo o que Starr espera é que Khalil também conheça essas regras. Um movimento errado, uma suposição e os tiros disparam. De repente o amigo de infância da garota está no chão, coberto de sangue. Morto. Em luto, indignada com a injustiça tão explícita que presenciou e vivendo em duas realidades tão distintas (durante o dia, estuda numa escola cara, com colegas brancos e muito ricos – no fim da aula, volta para seu bairro, periférico e negro, um gueto dominado pelas gangues e oprimido pela polícia), Starr precisa descobrir a sua voz. Precisa decidir o que fazer com o triste poder que recebeu ao ser a única testemunha de um crime que pode ter um desfecho tão injusto como seu início. Acima de tudo Starr precisa fazer a coisa certa. Angie Thomas, numa narrativa muito dinâmica, divertida, mas ainda assim, direta e firme, fala de racismo de uma forma nova para jovens leitores. Este é um livro que não se pode ignorar.
Editora: Galera Record
Páginas: 378
Edição: 7
Fonte: Saraiva

Starr é uma jovem americana, que estuda em um colégio de elite com os 2 irmãos (Seven e Sekani). A adolescente ainda tem 2 melhores amigas que a acompanham na rotina estudantil, além de um namorado apaixonado.
Mas um detalhe a destaca nessa ‘pintura’ corriqueira: ela é negra, moradora do gueto, filha de uma enfermeira e de um ex-traficante (Maverik) que, por amor aos filhos, se endireita e se torna um respeitado comerciante no bairro em que moram.
Na escola, Starr tenta se comportar de forma que não chame tanta atenção. Ela tenta se comportar como branca: evita conflitos, gírias (mesmo que os amigos estejam dizendo) posicionamentos e, até mesmo, falar alto (mulheres negras são constantemente relacionadas como cheias de raiva e agressivas). Ela se esforça todos os dias, mas o choque e realidade entre a Starr do Gueto e a Starr da Williamson é gritante.

Starr conhece o lado branco da sociedade, ela estuda com eles, tem amizade com eles, namora um deles, o Tio Carlos – policial – vive no meio deles em uma casa em um bairro rico da cidade. Ela vivencia o medo de misturar esses mundos, ela teme mostrar o lado do gueto para o namorado assim como apresentar o rapaz para o pai.

Mas existe a Starr do Gueto, na qual ela tenta se distanciar o tempo todo. Na infância, ela presenciou o assassinato da melhor amiga.
No círculo de amizades dessa Starr, tem como melhor amiga a meia irmã do seu irmão: Kenya. Essa sempre reclamando do tempo que ela gasta com os amigos brancos ao invés dos ‘seus’. E durante uma dessas reclamações, ela aceita (a contragosto) ir em uma festa. Assim que ela avista Khalil, um dos seus melhores amigos de infância, ela percebe que o rapaz não leva mais uma vida ‘limpa’ pela forma na qual ele se veste.

Durante um tiroteio, é com Khalil que ela escapa e pega uma carona de volta para casa. Enquanto conversam, o rapaz coloca THUG LIFE para tocar e ensina para ela, o emblemático significado da música de Tupac e como ela é tão real anos depois.
Nesse momento, a tragédia que norteia o livro acontece. Durante uma parada policial, os dois são tratados como criminosos. Khalil, preocupado com Starr que está assustada (dentro do carro, afinal uma coisa é se preparar, outro é vivenciar), ele resolve aliviar o clima que é ‘interpretado’ pelo policial – branco – como situação de risco e Khalil, com 3 tiros pelas costas, é assassinado em frente de uma Starr que verá sua vida ser transformada de um hora para outra.

“Quando eu tinha 12 anos, meus pais tiveram duas conversas comigo. Uma foi a de onde vêm os bebês e tal (…) A outra foi sobre o que fazer se um policial me parasse.”
– Starr-Starr, faça o que mandarem você fazer. Mantenha as mãos à vista. Não faça movimentos repentinos. Só fale quando falarem com você”. (pág. 24)

Lembra que eu disse que não é a primeira vez que ela vê um amigo sendo assassinado? Então imagina o quão destruído o coração de Starr fica dessa vez.
A morte, por si só, não é algo fácil, imagina uma pessoa querida sendo assassinada? A narrativa da garota vai destruindo nossos corações.
Então, somos levados, juntos com ela, pelas semanas e pelos meses que se seguiram após o assassinato.

Uma onda de protestos começam a acontecer em favor da condenação do policial, lembrando os movimentos do Black Lives Matters. E Starr, a única testemunha do crime, agora precisa entender o que significa perder um amigo por ele ser negro. Até então, ela segue a cartilha dos Black Panthers, sabe como o racismo funciona mas tudo isso apenas na teoria, agora, ela está vivendo na prática e essa montanha russa de emoções, nos levam a conhecer o coração de vários jovens negros. Impressionante!

Enquanto vai desenvolvendo sua consciência social e racial, Starr resolve se ‘esconder’. Não quer que as pessoas saibam que ela é a testemunha chave do caso, não quer participar dos protestos, não quer se posicionar perante os amigos e o namorado. Ela está sensível, ferida e assustada, identifica em uma das melhores amigas brancas posicionamento racistas e percebe o ‘peso’ que sua cor carrega.
Ofrah, a advogada que ela conhece e passa a representa-la, é uma ativista social e está a frente uma ONG em defesa dos negros e de algum dos protestos que andam acontecendo ao redor de Starr.

A impressa ‘pinta’ Khalil como um traficante que estava ameaçando a vida do policial, esse último aparece na mídia como um profissional dedicado, que estava apenas ‘cumprindo’ o seu dever enquanto era desrespeitado por 2 jovens desordeiros que ameaçavam sua integridade física e sua vida; omitindo a verdade, que os mesmos estavam assustados e desarmados.
Starr sabe que acidentes acontecem mas sabe que não foi o caso dela, ela quer sua vida de volta mas após seu pai sofrer uma intimidação violenta, ela se questiona se a vida do passado era realmente sua vida ou se ela precisa se conhecer e se descobrir. E quando ela descobre, ela explode em uma nova Starr. É um dos momentos mais bonitos e intensos do livro, que me deixou em lágrimas!


“Já vi acontecer um monte de vezes: uma pessoa negra é morta só por ser negra e o mundo vira um inferno. Já usei hashtags de luto no Twitter, repostei fotos no Tumblr e assinei todos os abaixo-assinados que vi por aí. Eu sempre disse que, se visse acontecer com alguém minha voz seria a mais alta e garantiria que o mundo soubesse o que aconteceu. Agora, sou essa pessoa, e estou morrendo de medo de falar.” (Pág.35/36)

Quantas vezes, nos indignamos quando vemos no noticiário o assassinato de pessoas negras ou casos de racismo?
Postamos em todas as redes sociais, reclamos em nossas rodas de conversa e .. pronto. Semanas depois, caem no esquecimento e seguimos nossas vidas. Não protestamos, não cobramos posicionamentos, não olhamos mais intensamente ao nosso redor tentando identificar em nós mesmos alguns pensamentos e posicionamentos racistas.

Os negros são os mais solitários, os mais marginalizados e desempregados. São vistos como objetos sexuais mas quase nunca como possíveis candidatos a relacionamentos sérios.
Acha que estou falando besteira? Então você não sabe de nada!

“Pessoas como nós em situações assim viram hashtags, mas raramente conseguem ter justiça. Mas acho que todos esperamos que essa vez chegue, a vez em que tudo vai acabar da forma certa”. (pág.55)

Como eu disse, não é um livro fácil. Ele vem acompanhado da realidade rotineira de milhares de pessoas que lidam com isso diariamente. Como se a cor fosse algo que nos diferenciasse e interferisse na maneira de tratarmos e sermos tratados.

Angie Thomas sabe disso! Ela nos apresenta a uma família que não estaria em um comercial de margarina mas que é amorosa,doce, educada e esperançosa apesar do mundo em que vivemos. Ela expõe a ferida e cutuca sem delicadeza. Evidenciando o que é passado geração após geração, todo esse preconceito e injustiça social.
Ela nos mostra a luta de um povo ferido mas extremamente forte. Que não vai se calar e vai lutar para defender seus direitos!

“Engraçado. Senhores de escravos pensavam que estavam fazendo a diferença na vida dos negros também. Salvando eles de seu modo de vida selvagem e africano. Mesma merda, outro século. Eu queria que gente como eles parasse de pensar que gente como eu precisa ser salva. “


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